Decorria o “Concílio dos Deuses Marinhos”, quando a armada portuguesa, foi interceptada por uma tempestade proveniente dos ventos que Eolo soltara por ordem dos deuses.
Também no momento em que a tempestade se aproximou, estavam os navegadores entretidos com a história do “Doze de Inglaterra”, contada por Fernão Veloso.
É este um episódio simbólico em que se entrelaçam os planos da viagem e dos deuses, portanto a realidade e a fantasia.
Esta tempestade é o último dos perigos que a armada lusitana teve que enfrentar para chegar ao Oriente, e Camões descreve-a de uma forma bastantes realista, tanto relativamente à natureza, quando refere a fúria desta (relâmpagos, raios, trovões, ventos), como relativamente ao sentimento de aflição sentido por parte dos marinheiros.
O episódio começa por referir a tranquilidade com que se navega em direcção à Índia, assistindo-se depois ao desenlace da tempestade que o poeta descreve de maneira muito real. De seguida é narrada a súplica de Vasco da Gama a Deus = “Divina Guarda, angélica, celeste,”, o qual utiliza argumentos como a preferência por uma morte heróica e conhecida em África, a um naufrágio anónimo no alto mar e o facto de a viagem ser um serviço prestado a Deus. O término da tempestade vem quando Vénus decide intervir ordenando às “Ninfas amorosas” que abrandem a ira dos ventos, seduzindo-os.
Como se pode verificar, mais uma vez, Vénus ajuda os Portugueses a atingir o seu objectivo, visto que os considera um povo semelhante ao seu amado povo latino. Quando a tempestade acaba, os Portugueses avistam a Índia a 17 de Maio de 1498.
- Os nautas ouviam a história de Fernão Veloso, quando o comandante, olhando os céus, toca o apito despertando os que dormiam e ordena que recolham as velas mais altas pois o vento está a crescer.
- Ainda não tinham terminado a recolha das velas, quando rebenta a tempestade. O mestre volta a ordenar que amarrem a grande vela, mas os ventos indignados não esperam e despedaçam-na com um ruído tal que parecia o mundo a ser destruído.
- Os gritos dos marinheiros aterrados e confusos da nau São Gabriel ferem os céus, pois quando a vela rompe, o navio começa a meter água. O mestre grita para que lancem carga à água e que usem as bombas.
- Os soldados, empenhados, correm a dar à bomba, mas os balanços atiraram-nos contra a amurada. Três nautas não eram suficientes para segurar o leme, tendo que o prender com cordas.
- O vento não podia mostrar mais crueldade do que para derrubar a forte torre de Babel. A possante nau lembrava um pequeno batel nas ondas imensas, causando admiração conseguir suster-se naquele mar.
- A nau S. Rafael encontra-se com o mastro partido e quase toda alagada e os nautas chamam Cristo em gritos tão vãos como os gritos vindos da nau Bérrio, embora o mestre tivesse controlado a situação antes que o vento destruísse tudo.
- As ondas ora os subiam, ora parecia que os desciam ao Inferno. Os ventos do sul queriam destruir o mundo e os raios pareciam incendiar todo o firmamento.
- As aves marinhas cantavam tristemente recordando o pranto causado pelas águas. Os golfinhos nem nas covas marítimas encontravam águas sossegadas.
- Nunca Vulcano fabricara raios assim contra os Gigantes, nem Júpiter atirou relâmpagos assim durante o dilúvio.
- Quantos montes as ondas derribaram, quantas árvores arrancaram, raízes viradas para o céu, areias do fundo do mar revolvidas, eram as consequências de tal tormenta.
- Vendo Gama que se perdia tão perto do fim da viagem, ora subindo aos céus, ora descendo aos infernos, e cheio de temor, dirige-se à Divina Providência.
- Apostrofa a Divina Guarda que deu refúgio aos Hebreus, livrou S. Paulo e defendeu Noé.
- Se o capitão receia mares perigosos no fim de tantos perigos, porque ficam desamparados se as suas aventuras não ofendem Deus e só visam servi-Lo?
- Inveja os venturosos que morreram na luta pela fé em terras Mauritanas que se imortalizaram pelos seus feitos.
- Os ventos lutavam como touros, acrescentando força à tormenta, assobiando por entre os cabos, enquanto relâmpagos e trovões, qual guerra dos elementos, pareciam fazer o céu cair dos eixos sobre a terra.
- Surge Vénus, estrela da manhã, deusa do amor e mensageira da bonança que afugenta Oríon, mensageiro da tempestade.
- Vénus crê que a tempestade é obra de Baco e manda as Ninfas pôr grinaldas de rosas.
- Mostrando aos ventos a beleza das Ninfas, manda abrandar por amores a sua força.
- Logo que as viram, perderam as forças com que antes lutaram, obedecendo-lhes, Oritia disse a Bóreas, que tanto lhe queria:
- Como pode a ninfa acreditar num vento feroz, no seu amor? Se não põe freio a tanta loucura, não poderá mais amá-lo, pois o amor dela converter-se-á em medo.
- O mesmo faz Galateia a Noto que de contente de ver que a dama o manda, logo abranda.
- As outras fizeram o mesmo aos outros amadores que se entregaram a Vénus que lhes prometeu eternos favores se forem leais nessa viagem.
- Já amanhecia nos outeiros da Índia, quando do alto da gávea os marinheiros avistaram terra. Já longe da tormenta, o medo voa dos peitos e o piloto afirma que chegaram a Calecut.
- O piloto continua a dizer que se não desejam mais terra, ali acaba a aventura, pois chegaram à Índia. Acabado o sofrimento, Gama ajoelha-se e alegremente agradece a Deus.
- Tinha razão em dar graças, pois não somente encontrou o que buscava, mas também se livrou de perigos e cansaços vários, bem como da morte, como se tivesse despertado de um pesadelo.